Amar no Escrever

Olhar o mínino, apanhá-lo, exacerbá-lo e racionalizá-lo. Do pensamento para o papel directa e seguramente. As minhas mais inúteis e valiosas premissas.

Monday, August 28, 2006

Carta de amor.

Escrever-te vai contra tudo o que acho correcto. Porém faz-te mimada e feliz. Não resisto ao sorriso e ao calor que vais sentindo mesmo que nessa altura trema de frio. Quando penso que me seguro vem um olhar, um tique, um pentear o cabelo, um ajeitar os óculos e pior que tudo é vir essa mania que tens de brincar com as unhas. Nessa altura seguras-me outra vez e deixas-me sem silêncio. Na ânsia de não poder escrever o que respiro, de não ouvires o meu inspira-expira, encurralas-me e tiras-me a chance de sobrevivência. Nessa altura obrigas-me a escrever como se não me pudesse exprimir de outra forma. Quero deixar-te em paz mas mesmo a esta distância vais respirando para cima de mim. Vais trocando e destruindo o que me faz sentir seguro e levas-me a procurar-te para que me apagues o desconforto. Depois afastas-me. Repeles-me como se não fosse da cor que queres e obrigas-me a trincar os lábios para fingir a dor. As minhas palavras escrevem o meu destino. Marcam o que sinto, marcam a tua distância, marcam até a tua mais bela e sensível pele. Não a sentes pelo excesso de força que tens. Habituaste-te a ser dona do teu domínio, a batalhar todos os que te apontam, a te defenderes sozinha... A mais doce abelha também tem ferrão.

Ver para crer... Acreditas na magia das coisas mas comigo precisas ver para crer. Aqui também perco o rumo. Para veres, e finalmente me quereres como ar, precisas de te virar do avesso. É no verso da tua pele que gravo o que sinto. É porque lá ninguém te escreveu. Todos se esqueceram de escrever do lado do sangue e é mesmo ali que deixo a minha letra e te vou tingindo o líquido deixando a mais doce marca no teu corpo. A marca que ninguém nota mas que te preenche até ao mais pequeno espaço. Se te leres do avesso sentes. Escrever-te por fora não é o que procuro. Escrever-te por dentro sem que possas ler é o que me sufoca. Veio agora o tal à minha cabeça e fizeste-me perder o ímpeto. Páro minutos que parecem horas. Sons vagueiam a minha cabeça na intenção de me baralhar. Peço carentemente que me dês o pouco de paz necessário para escrever. Recordo mais uma ou duas palavras afiadas e perco o equilibrio, mais uma vez, sem cair. Reajo assim às tuas estocadas e ainda que sem força para manter os olhos bem abertos acabo por continuar a fitar-te sem esforço.

O meu desejo é que procures a minha marca. Hoje lê-me sem achares que sou querido. Lê-me sem achares que te escrevo sem sentido. Hoje acredita em mim e aceita as minhas palavras como minhas, torna-as tuas e guarda-as como se mais ninguém conhecesse a nossa língua. Hoje pensa nas letras como se só eu te pudesse escrever. Abre os olhos e apercebe-te que mais ninguém te sente assim. Agora vem a mim com jeito e quando me vires de peito aberto, à espera de outro corte, toma-me o pescoço, morde-me a pele suavemente e, no meio de todo o querer, cura-me as feridas dormindo no meu peito. Pára assim a minha guerra, faz o suspiro sair e sentirei que um único momento fez tudo valer a pena. Agora dorme e prometo que amanhã te conquisto outra vez. Assim, sempre. E sempre de maneira diferente. Hoje não te beijo mas fico contigo testa-a-testa o tempo que quiseres. Esperarei que percas a força no corpo para te segurar gentilmente e provar que comigo não cairás nunca. Quando te sentires adormecer com as festas no cabelo abre os olhos, olha para mim e diz-me o que vês. Encaixa-te agora no meu pescoço e dorme num ninho que é só teu.

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